O RIO NILO E AS VELHAS PAISAGENS DO NOVO EGITO .
Pela rua lamacenta, parcamente iluminada, a sombra se aproxima. Cumprimenta-me: "Salaam aleikum!" e emenda a pergunta: "De onde você é?". Já sei que vou entrar, novamente, no tedioso papo do país do futebol, mas vá lá: "Brasil". O garoto, agora visível, sob a luz amarela da noite, abre um sorriso: "Ah! Brasileiro! Futebol!..." e começa a recitar a escalação do escrete canarinho. Termina no Romário e me faz, logo em seguida, tentador convite: "Hoje tem festa de casamento e você é bem-vindo! É na casa do Nasser", diz ele, em inglês macarrônico, apontando para a entrada de uma viela.
Nasser, o anfitrião, está na esquina. Homem de meia-idade, com poucos cabelos e muito bigode, ele enverga uma galabiyya branca (manto leve de algodão que cobre todo o corpo) e abre os braços para me receber: "Bem-vindo! Festa de casamento! Casa de muçulmanos! Casa de muçulmanos!", grita, com um ímpeto vocal que só os egípcios conseguem ter. Interessadíssimo na folia, deixo-me conduzir viela adentro.
A celebração está para começar. Em um palco, montado sobre o asfalto, três músicos afinam seus rababahs (instrumento de cordas, com estilo de violino, muito tocado no Oriente Médio) e testam microfones, dizendo "Alá...Alá...". Estão sentados no tablado e têm, como de pano de fundo, a pintura descascada dos velhos sobrados do bairro.
Nasser me traz chá. Concluo que, ao enfatizar sua "casa de muçulmanos", ele quis dizer algo simples: "não haverá álcool nesta festa". Crianças correm ao redor do palco e senhores de idade, encostados em bancos de madeira, conversam de forma tranqüila e monótona.
Mas tudo muda. Alguém grita em minha direção: "Aí vem o cantor! Aí vem o cantor!", e logo identifico o homem que chega, saudando os presentes. Ele usa uma galabiyya azul-claro e um turbante branco. Seu rosto enrugado, de traços fortes, e o bigodão grisalho, lhe conferem ar de autoridade. Mais alguns passos e se detém na frente dos músicos. Um velho banguela, sorridente e trêmulo, lhe passa um enorme baseado de haxixe. O cantor o traga uma, duas, três vezes. Devolve-o e, solene, sobe no palco.
A música começa para valer. Sai alta, ensurdecedora, de velhos alto-falantes pregados às paredes. As crianças parecem mais agitadas do que nunca. Dois convidados fazem malabarismos com pedaços de pau e Nasser surge, de repente, ao meu lado, com um copo de uísque na mão. Uísque barato. Não consegue me explicar quem é o noivo, ou a noiva, ou a daminha de honra, no meio dessa excitada turba de súbitos boêmios.
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